Antibiograma: importância da qualidade da amostra e diagnóstico laboratorial
A introdução dos primeiros antibióticos na medicina foi de grande importância para avanços na saúde, porém, anos depois, as primeiras resistências aos antibióticos começaram a ser descritas.
O uso de antibióticos acelerou e continua aumentando o aparecimento de microrganismos resistentes, tanto na medicina veterinária quanto na humana.
Em 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o primeiro relatório global sobre resistência a antibióticos, alertando para a grande ameaça que o uso exacerbado representa para a saúde global. É por isso que pesquisas são desenvolvidas constantemente sobre uso responsável de antibióticos.
Especificamente, na medicina veterinária, o papel do laboratório e do veterinário em fazer um bom diagnóstico é fundamental para se obter um estudo de sensibilidade antimicrobiana que sirva para tratar, quando necessário, cada caso clínico e poder superar com êxito uma infecção.
Para a realização de um estudo de susceptibilidade aos antimicrobianos, a primeira medida necessária é uma amostragem adequada e posterior isolamento das bactérias envolvidas.
IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE DAS AMOSTRAS DESTINADAS AO LABORATÓRIO DE BACTERIOLOGIA
A execução correta da coleta, conservação e transporte são bases fundamentais para isolamento das bactérias patogênicas envolvidas no processo infeccioso.
Existem vários pontos-chave para realização de um bom diagnóstico:
- Amostra representativa: Seleção de amostras representativas de animais com sintomas e que não receberam tratamento com antibióticos. Evite coletar amostras de animais com muitas horas de registro do óbito, para que não haja contaminação (autólise ou invasão post-mortem).
- Precisão e Precaução: A amostragem deve ser feita de forma minuciosa, amostrando apenas a área que se deseja analisar, tomando cuidado para não contaminar o material.
- Condições assépticas: As condições mais assépticas possíveis. É imprescindível o uso de luvas descartáveis, material estéril e desinfetantes tópicos, como a clorexidina.
- Conservação e transporte: As amostras para cultura bacteriológica devem ser mantidas refrigeradas e enviadas ao laboratório o mais rápido possível (máximo 48 horas). Este ponto é essencial, principalmente quando se deseja isolar uma bactéria incômoda como a Glaesserella parasuis,
cuja viabilidade é afetada por fatores ambientais como temperatura ou tempo de transporte. - Identificação da amostra: As amostras devem ser identificadas e armazenadas em recipientes estéreis e herméticos. Embora esse ponto seja bastante direto, muitas vezes falhas são cometidas na identificação das amostras ou as amostras são enviadas sem etiqueta, o que dificulta ao laboratório decidir, por exemplo, qual meio de cultura utilizar para a análise das amostras.
DIAGNÓSTICO BACTERIOLÓGICO
ETAPAS ANTERIORES AO ANTIBIOGRAMA
Assim que a amostra é recebida, o laboratório realiza o diagnóstico em 4 fases:
A primeira fase consiste no processamento da amostra e inoculação em meios de cultura.
Com auxílio de um cotonete, retira-se a amostra de forma estéril e uma faixa é feita em um meio de cultura adequado para crescimento da bactéria.
A segunda etapa consiste em obter a cultura pura.
Nesta etapa, o principal interesse é o isolamento de bactérias patogênicas em uma cultura pura.
Em seguida, as bactérias são identificadas. Existem diferentes sistemas disponíveis, como a espectrometria de massa (MALDI-TOF Biotyper) que permite uma identificação muito rápida, bastando apenas alguns minutos para identificar uma bactéria. É o método utilizado em hospitais e atualmente vem ganhando espaço nos laboratórios de diagnóstico veterinário.
A última etapa é a realização do antibiograma.
REALIZAÇÃO DO ANTIBIOGRAMA
Um antibiograma é um teste in vitro que permite determinar o perfil de sensibilidade de uma bactéria a um ou mais antibióticos.
Para isso, os laboratórios podem utilizar sistemas qualitativos ou quantitativos baseados na determinação da CIM (Concentração Inibitória Mínima).
ENSAIOS QUALITATIVOS
Em relação aos ensaios qualitativos, o sistema mais utilizado é o disco de difusão em ágar ou Kirby-Bauer.
Baseia-se na utilização de discos inoculados com uma concentração específica de um antibiótico e que, uma vez colocados na superfície de uma placa de cultura, se difundem radialmente.
A bactéria em estudo é inoculada em uma placa contendo um meio de cultura sólido específico para o cultivo (por exemplo, ágar Müeller-Hinton).
Os discos com os antibióticos de interesse são dispensados e as placas são incubadas por algumas horas a uma temperatura especificada (geralmente 18-24h a 35-37ºC).
Após a incubação, os diâmetros dos halos de inibição do crescimento que se formam ao redor do antibiótico são mensurados e, a partir da dimensão do diâmetro é possível determinar se a bactéria é sensível ou resistente a este antibiótico.
ENSAIOS QUANTITATIVOS
Por outro lado, existem diferentes tipos de ensaios quantitativos pelos quais se determina a CIM (expressa em μg / ml ou mg / L), que é a menor concentração de antimicrobiano necessária para inibir o crescimento da bactéria in vitro. As técnicas mais utilizadas são:
Uma vez depositado em uma placa de cultura com a bactéria de interesse, o antibiótico se difunde criando um gradiente.
Após a incubação, um halo-elipse de inibição é formado onde o valor CIM será o ponto de intersecção do halo com a tira.
Adicionando as bactérias, veremos em que concentração a bactéria pode crescer e em que concentração seu crescimento é inibido.
A Figura 4 ilustra as etapas a serem seguidas em laboratório. Resumidamente, uma concentração padronizada de bactérias é preparada em um caldo de cultura e adicionada a cada um dos poços (mesmo volume por poço).
As placas são incubadas a uma temperatura e duração específicas e a leitura é realizada posteriormente.
A menor concentração que inibiu o crescimento bacteriano será o CIM.
Este sistema é cada vez mais utilizado devido à existência de sistemas comerciais que permitem automatizar o processo e a leitura dos resultados.
INTERPRETAÇÃO DE ANTIBIOGRAMAS E CIM
USO DE ANTIBIOGRAMAS NO CAMPO
Uma vez obtidos os valores de CIM ou os diâmetros de inibição, é necessário interpretar os resultados, ou seja, fornecer uma categoria clínica (Sensível / Resistente).
INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Para atribuir uma categoria clínica, existem alguns documentos produzidos por organizações internacionais (CLSI e EUCAST) que estudam e estabelecem pontos de corte clínicos para que os laboratórios possam interpretar CIMs ou diâmetros.
Esses pontos de corte definem por quantos milímetros de diâmetro a bactéria será considerada sensível a um determinado antibiótico ou a partir de qual CIM a bactéria é resistente a um antibiótico.
Os pontos de interrupção são específicos para espécies, microrganismos e antibióticos.
Embora na medicina humana os pontos de corte sejam bastante estabelecidos, na medicina veterinária faltam muitos, o que dificulta a interpretação dos resultados em alguns casos.
CONCLUSÕES
Os antibiogramas são uma ferramenta muito útil para o clínico, pois permitem prever o sucesso / fracasso de um tratamento individual, mas, ao mesmo tempo, permitem monitorar a resistência em uma granja ou pirâmide de produção.
Entretanto, é de grande importância que as informações fornecidas no antibiograma devem ser bem utilizadas. O relatório do laboratório serve como um guia, mas o médico veterinário é responsável por decidir qual terapia antimicrobiana é a mais adequada com base nos resultados laboratoriais, bem como, na sua experiência prévia e, claro, levando em consideração a categorização mais atual dos antibióticos (EMA, relatório AMEG, 2020).
Para concluir, observe que um antibiograma não adianta se vier de um diagnóstico errado. Portanto, vale continuar a enfatizar aos veterinários a importância da coleta de amostras completa e asséptica, apesar das dificuldades que podem ser encontradas em ambientes de granjas pouco estéreis.