Colibacilose pós-desmame: Quando a comensal se torna patogênica
O desmame é considerado um dos momentos mais estressantes na vida dos suínos, podendo causar alterações no funcionamento do intestino e do sistema imunológico, o que leva à redução do consumo alimentar, do crescimento e da saúde geral dos leitões (Campbell; Crenshaw; Polo, 2013).
Nas 2ª a 3ª semanas que se seguem ao desmame, os leitões tornam-se mais vulneráveis a infecções microbianas, principalmente devido à imaturidade do sistema imune e à retirada repentina do leite materno — fonte essencial de nutrientes e proteção imunológica para a leitegada (Luppi, 2017; Castro et al., 2022). Como consequência, os leitões ficam mais propensos ao desenvolvimento de doenças no período pós-desmame, como a colibacilose.
A colibacilose suína é uma infecção provocada pela Escherichia coli (E. coli)
Nesse contexto, a colibacilose está entre os principais desafios enfrentados pela suinocultura global, sendo responsável por consideráveis prejuízos econômicos ligados à:
- Morbidade
- Mortalidade
- Menor desempenho zootécnico e
- Aumento nos custos com tratamentos (Luppi, 2017; Barros et al., 2023).
O período pós-desmame é frequentemente relacionado à forma mais grave de infecção intestinal por E. coli, que se manifesta por morte súbita ou diarreia severa
Embora E. coli seja uma bactéria comensal normal do trato gastrointestinal, ela tem o potencial de causar doenças tanto locais quanto sistêmicas. Os principais subtipos de E. coli incluem:
- Enterotoxigênica (ETEC)
- Enteropatogênica (EPEC)
- Entero-hemorrágica (EHEC)
- Enteroagregativa (EAEC)
- Enteroinvasiva (EIEC)
- Produtora de toxina Vero ou semelhante à Shiga (VTEC ou STEC) e
- Aderente difusa (DAEC).
Dentre esses, as fímbrias F4 (K88) e F18 da ETEC são os agentes etiológicos mais comuns responsáveis pela diarreia pós-desmame em suínos (Luppi, 2017; Fairbrother; Nadeau, 2019; Sha et al., 2024).
O trato gastrointestinal é um ecossistema complexo que abriga uma grande quantidade de microrganismos com diversas atividades metabólicas, começando a ser colonizado desde o nascimento dos suínos (Pandey et al., 2023). Esse ecossistema varia de acordo com a idade, a dieta e outros fatores presentes nos intestinos dos suínos (Luo et al., 2022).
Assim, o estresse do desmame e as mudanças na dieta podem facilmente alterar a microbiota intestinal dos leitões, tornando-os mais suscetíveis a infecções por bactérias patogênicas
Embora E. coli seja uma das primeiras bactérias a colonizar os intestinos dos leitões ao nascimento, a microbiota intestinal pode ser afetada pelo aumento de sua abundância durante o período pós-desmame (Wang et al., 2019).
É importante ressaltar que, para que a infecção se estabeleça, não basta apenas a colonização pelo agente; são necessárias também condições ambientais predisponentes e fatores específicos do hospedeiro.
Curiosamente, estudos já demonstraram a presença de cepas de ETEC em 16,6% dos suínos assintomáticos durante a fase de lactação, em 66% na fase de creche e em 17,3% nos animais em terminação. Além disso, essas cepas podem ser eliminadas nas fezes de suínos clinicamente saudáveis (Luppi, 2017; Nielsen et al., 2022; Barros et al., 2023).
A diarreia costuma se manifestar como um líquido amarelado ou acinzentado, com duração de até uma semana, levando à desidratação e perda de peso. Ao longo de alguns dias, grande parte dos animais de um mesmo lote podem ser afetados, comtaxas de mortalidade que podem chegar a 25%.
A ocorrência de surtos varia entre as granjas, mas os picos são mais comuns nas três primeiras semanas após o desmame. Animais que morrem em decorrência da diarreia pós-desmame causada por E. coli geralmente apresentam boa condição corporal, mas estão intensamente desidratados, com olhos fundos e sinais de cianose. O estômago costuma estar distendido, contendo ração. O intestino delgado aparece dilatado, levemente edemaciado e com áreas de hiperemia. O conteúdo intestinal varia entre líquido e mucoso, com um odor característico. O mesentério encontra-se fortemente congesto.
Nos casos mais tardios de surto, os suínos apresentam-se emagrecidos e com odor intenso de amônia. Quando a cepa de ETEC envolvida também produz a toxina Stx2e, as lesões características da doença do edema tendem a ser leves ou até ausentes (Fairbrother; Nadeau, 2019).
A imunidade contra infecções entéricas causadas por E. através de anticorpos, e, no início, é fornecida por meio da imunidade passiva, através do colostro materno.
Esse primeiro tipo de proteção destaca-se como um dos diversos benefícios cruciais promovidos pela prática adequada de colostragem. Além disso, a proteção é sustentada posteriormente pelos anticorpos lactogênicos presentes no leite materno da porca. À medida que os leitões se desenvolvem, a imunidade passa a ser mantida por respostas imunes intestinais locais ativas. Esse processo é fundamental para garantir a proteção intestinal duradoura contra infecções bacterianas (Rooke; Bland, 2002).
A imunidade protetora contra a E. coli baseia-se na presença de anticorpos específicos que reconhecem e neutralizam antígenos de superfície da bactéria. Entre esses, destacam-se as adesinas fimbriais, como F4, F5, F6 e F41, que são as principais responsáveis pela adesão da bactéria às células epiteliais intestinais, permitindo a colonização e a infecção.
Anticorpos direcionados à cápsula polissacarídica da ETEC também têm demonstrado ser protetores, pois dificultam a capacidade da bactéria de interagir com as células intestinais e, consequentemente, de causar danos (Pereira et al., 2015; Duan et al., 2020).
No contexto da produção suinícola, a resistência antimicrobiana entre as cepas de E. coli tem se tornado um problema persistente e crescente, afetando diretamente o controle e tratamento das infecções.
Estudos têm mostrado que a ocorrência de cepas multirresistentes de E. coli é cada vez mais comum, o que torna o manejo das infecções mais complexo e oneroso para os produtores (Castro et al., 2022). A resistência antimicrobiana, compromete a eficácia dos tratamentos, exigindo abordagens alternativas e mais rigorosas. Além disso, a tendência crescente da expressão de um fenótipo multirresistente tem sido um ponto de atenção, dado que muitas cepas de E. coli demonstram resistência a três ou mais antimicrobianos diferentes, o que aumenta consideravelmente o risco de falhas terapêuticas e prolonga os períodos de doença nas granjas (Garcias et al., 2024).
Diante dessa situação, é fundamental adotar estratégias de controle que não dependam exclusivamente do uso de antimicrobianos. O uso excessivo de antibióticos não só favorece o aumento da resistência, como também prejudica o equilíbrio da microbiota intestinal dos suínos, incentivando a proliferação de bactérias patogênicas.
Assim, a implementação de medidas preventivas não medicamentosas, como vacinação e programas nutricionais com aditivos como:
- Prebióticos
- Probióticos
- Simbióticos
- Ácidos orgânicos e
- Fitogênicos
é crucial para prevenir e controlar surtos de colibacilose (Castro et al., 2022; Sha et al., 2024).
Essas práticas são essenciais para assegurar a saúde dos animais e a sustentabilidade da produção suinícola. Além disso, as instalações devem ser minuciosamente limpas de matéria orgânica e desinfetadas antes da chegada de novos lotes, pois a gestão adequada do ambiente é uma estratégia eficaz para reduzir a pressão de infecção nos galpões.
O manejo dos leitões desmamados deve minimizar o estresse ambiental e outras formas de estresse, como a mistura desnecessária das leitegadas, temperatura, transporte e a alojamento.
Por fim, programas de seleção genética podem ser aprimorados para escolher suínos que não possuam receptores específicos nas células epiteliais intestinais para as fímbrias F4 e F18, principais fatores de virulência transportados pela E. coli (Castro et al., 2022; Fairbrother; Nadeau, 2019
Em resumo, a colibacilose continua a ser uma das principais causas de diarreia pós-desmame, representando um desafio significativo para a suinocultura e gerando importantes perdas econômicas.
A E. coli, uma bactéria naturalmente presente no trato gastrointestinal dos suínos, encontra no período de desmame o ambiente propício para se proliferar devido ao estresse e à vulnerabilidade imunológica dos animais.
Embora existam várias estratégias de controle, como o uso de aditivos nutricionais, vacinação e tratamentos com antibióticos, o foco principal deve ser nas medidas de biossegurança. Garantir práticas adequadas de limpeza, desinfecção, colostragem, ambiência e minimizar o estresse durante o desmame prepara os leitões para enfrentar esse período crítico, reduzindo a pressão de infecção e aumentando suas chances de sucesso. A implementação eficaz dessas medidas, aliada a abordagens preventivas e terapêuticas adequadas, é essencial para garantir a saúde dos animais e maximizar o desempenho produtivo, resultando em um aumento na produtividade e na rentabilidade da suinocultura.