A compreensão da dinâmica da colonização microbiana do trato gastrointestinal (TGI) tem sido um dos objetivos primordiais de pesquisas tanto da saúde humana quanto da saúde e produção animal. Isto porque, a diversidade genética da microbiota intestinal contribui para as funções metabólicas, além de atuar sobre:
- a produção de ácidos graxos voláteis,
- reciclagem de sais biliares,
- síntese de vitamina K,
- digestão de fibras e
- desenvolvimento do sistema imunológico (Kim e Isaacson, 2015).
O desenvolvimento da microbiota inicia-se após o nascimento, quando o feto transita de um ambiente supostamente estéril, o saco amniótico, através do canal do parto, para um ambiente denso (elevada carga microbiana). Nesta etapa ocorre colonização da membrana da mucosa e do epitélio da pele (Nowland et al., 2019).
A microbiota pós-parto do TGI atua, essencialmente, de três maneiras: proteção, metabolismo e trofismo (Yang et al., 2016).
- Proteção: os microrganismos atuam como uma barreira contra organismos patogênicos pela exclusão competitiva.
- Metabolismo: Em seguida, auxiliam na digestão e metabolismo do colostro e do leite, e na eliminação de toxinas, síntese de vitaminas e absorção iônica.
- Trofismo: E, por fim, atuam no crescimento e diferenciação celular do epitélio que reveste o lúmen intestinal, simultaneamente à homeostase do sistema imunológico (Yang et al., 2016).
O fornecimento de colostro nas primeiras horas de vida do leitão recém-nascido, além de prover calor, energia e imunidade, atua na colonização da microbiota, através do estabelecimento de bactérias comensais (Nowland et al., 2019).
Morissette et al. (2018) observaram que o consumo de colostro e leite nas duas primeiras semanas de vida influenciou a colonização microbiana. Os autores constataram que leitões com maior ganho de peso apresentaram maiores níveis de Bacteroidetes, Bacteroides e Ruminoccocaceae e menores proporções de Actinobacillus porcinus e Lactobacillus amylovorus em comparação a leitões com baixo ganho de peso. Esses dados sugerem que consumo de leite nas duas primeiras semanas de vida influencia não apenas o ganho de peso, mas também a saúde e o desempenho dos animais a longo prazo, a partir da colonização microbiana (Nowland et al., 2019).
Outro fator importante no processo de colonização microbiana do TGI é o aspecto sanitário. Ao avaliarem a exposição de leitões recém-nascidos a diferentes ambientes sanitários, Inman et al. (2010) observaram que ambientes com baixa higiene (leitões mantidos com fêmeas suínas) ou com alta higiene (leitões isolados, alimentados com fórmulas lácteas) influenciou o desenvolvimento imunológico de leitões. Sendo que, leitões criados com a fêmea suína apresentaram maior diversidade microbiana em comparação aos leitões mantidos em ambientes germ-free.
FATORES QUE INFLUENCIAM A COLONIZAÇÃO MICROBIANA
O estabelecimento da colonização microbiana sofre influência de fatores intrínsecos e extrínsecos, tais como:
A alteração do processo de colonização microbiana desencadeará em um desequilíbrio, a disbiose. Neste processo de desequilíbrio microbiano ocorre uma redução acentuada de bactérias anaeróbicas benéficas (comensais), e.g. membros das famílias Clostridia e Bacteroidia, e aumento significativo de bactérias anaeróbicas patogênicas, e.g. membros das famílias Enterobacteriaceae e Prevotellaceae (Winter et al., 2013).
Dentre os fatores intrínsecos responsáveis pela modulação da microbiota estão a genética e a idade.
Neste estudo, os autores constataram que leitões do genótipo FUT1 podem ser classificados de acordo com a suscetibilidade à ETECF18, com genótipos de FUT1AA como resistentes e leitões com os genótipos FUT1AG e FUT1GG como suscetíveis. Em um estudo recente, Riis et al. (2018) concluíram que leitões do genótipo FUT1AG apresentaram maior número de bactérias hemolíticas e Enterobacteriaceae em comparação aos leitões FUT1AA.
A compreensão da relação entre a microbiota intestinal e o estágio de crescimento do suíno é essencial, pois o estágio de crescimento está diretamente relacionado ao manejo alimentar (Han et al., 2018). Ao avaliarem a alteração da microbiota intestinal de suínos em diferentes estágios de crescimento, Han et al., 2018 constataram que os gêneros Lactobacillus e Clostridium, do filo Firmicutes, apresentaram correlação positiva aos 10, 21 e 93 dias de idade. Entretanto, Lactobacillus foi negativamente correlacionado com o gênero Prevotella, do filo Bacteroidetes, aos 10, 63 e 93 dias de idade, e o Clostridium foi negativamente correlacionado com Bacteroides aos 10, 21 e 63 dias de idade.
Dentre os fatores extrínsecos responsáveis pela modulação da microbiota destaca-se o uso de antibióticos como promotor de crescimento (APC), uma alternativa eficiente e economicamente viável para maximizar a eficiência da cadeia produtiva (Nowland et al., 2019). Ao avaliarem a inclusão de tilosina como um APC, Kim et al., (2012) constataram um aumento do ganho de peso e melhora da conversão alimentar de leitões que receberam doses subterapêuticas do APC.
Além disso, os autores observaram que a microbiota intestinal dos leitões alimentados com tilosina apresentou alterações populacionais microbianas, denotadas por um aumento na taxa de sucessão e maturação dos gêneros Lactobacillus, Sporacetigenium, Acetanaerobacterium e Eggerthella na microbiota intestinal.
Em contrapartida, o uso generalizado de antibióticos na produção animal provavelmente contribuiu para o aumento do número de patógenos resistentes, um grande problema de saúde humana e animal (Nowland et al., 2019).
O uso prolongado pode ter efeitos negativos a longo prazo no TGI do hospedeiro, incluindo a colonização por populações de bactérias patogênicas (Shigella spp., E. coli e Salmonella spp.) que permanecem muito tempo após o início do tratamento com antibiótico (Schokker et al., 2014).
Vale ressaltar que Guevarra et al., (2019) salientam quanto à escassez de pesquisas explorando o mecanismo de ação pelo qual os antibióticos induzem a disbiose e influenciam o crescimento do animal.
A microbiota intestinal do suíno apresenta composição e diversidade dinâmicas que se alteram com o tempo e ao longo de todo o trato gastrintestinal (Isaacson et al., 2012). Leitões recém-desmamados geralmente são vulneráveis a estressores nutricionais, fisiológicos e psicológicos, levando a alterações da morfologia intestinal, função fisiológica, disbiose e, consequentemente, aumento da incidência de diarreia(Meale et al., 2017).
MICROBIOTA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O METABOLISMO
Além disso, existem alguns outros metabólitos produzidos pela microbiota, incluindo metabólitos da colina, metabólitos dos ácidos biliares, indol e derivados fenólicos, que demonstraram efeitos benéficos sobre a barreira intestinal, regulação imunológica e processo inflamatório.
A partir da associação do sequenciamento do gene 16S rDNA e o método de cromatografia gasosa por espectrometria de massa (Tandem Time-of-Flight) GC-TOF/MS, Li et al. (2018) avaliaram os efeitos do estresse do desmame sobre a microbiota intestinal e os perfis de metabólitos em leitões. Ao aplicarem o método GC-TOF/MS, Li et al. (2018) observaram quantitativamente pequenos metabólitos moleculares em amostras biológicas e identificaram cinco vias metabólicas incluindo: metabolismo de fenilalanina, ciclo de Krebs, glicólise ou gliconeogênese, metabolismo do propionato e metabolismo de nicotinamida.
As espécies da família Aloprevotella estão envolvidas na síntese de succinato e acetato, o que poderia promover melhorias na barreira intestinal e exibir função antiinflamatória (Downes et al., 2013).
As espécies da Oscillospira são produtoras de butirato e podem usar glucanos do hospedeiro como fonte de energia (Konikoff & Gophna, 2016). Gophna et al. (2017) constataram que a presença da Oscillospira é reduzida em doenças que envolvem a inflamação intestinal.
Além disso, Li et al. (2018) observaram uma redução de bactérias da família Oscillospira, conhecida como produtora de butirato, em leitões recémdesmamados, o que pode indicar a diminuição da produção de AGCC após o desmame.
Evidências crescentes comprovaram que os AGCCs protegem o hospedeiro contra doenças do cólon, melhora a função da barreira intestinal e exibe efeitos anti-inflamatórios (Peng et al., 2009). Além disso, efeitos metabólicos benéficos mediados por AGCC no organismo podem ser mediados pela indução da gliconeogênese intestinal (De Vadder et al., 2014).
O aumento dessa espécie bacteriana em leitões desmamados pode ser uma das principais causas de diarreia pós-desmame (Li et al., 2018).
O ciclo de Krebs é responsável pela degradação oxidativa de açúcares, gorduras e aminoácidos, tendo o piruvato como intermediário primordial da rota. Li et al. (2018) constataram uma redução do nível de piruvato em leitões pós-desmame e concluíram que, a redução no metabolismo energético pode fazer parte do processo de adaptação intestinal e que os microrganismos podem envolver energia para mecanismos de adaptação para assegurar as funções fisiológicas.
A administração de niacina (ácido nicotínico e nicotinamida) mostrou afetar beneficamente a interação microbiota-hospedeiro em camundongo (Hashimoto et al., 2012). Nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) é o cofator central do metabolismo, mediando a geração de ATP, desintoxicação de espécies reativas de oxigênio (ROS), processos biossintéticos, reparo de DNA e regulação gênica nutricionalmente sensível (Belenky et al., 2007).
Li et al. (2018) observaram a redução de niacina em leitões recém-desmamados, que pode ser atribuída a uma influência adversa desencadeada pelo estresse. E concluem, que o estresse do desmame, além de promover a disbiose, altera os perfis metabólicos no TGI.
MODULAÇÃO DA MICROBIOTA
A modulação da microbiota intestinal a partir da utilização de aditivos zootécnicos tornou-se uma das alternativas na nutrição de suínos pós-desmame. Em suma, os mecanismos de ação pelos quais os ingredientes funcionais afetam a ecologia microbiana intestinal são:
CONCLUSÃO
Diante do exposto, torna-se evidente a relevância de pesquisas futuras para melhor compreensão da interação entre a diversidade microbiana, aditivos zootécnicos, metabólitos e fisiologia do hospedeiro, a fim de desenvolver biotecnologias que possam atuar em conjunto com os mecanismos de defesa do organismo animal.