Riscos ocultos na ração: O impacto da zearalenona na fertilidade suína
Os cereais são a base das rações na suinocultura intensiva, mas cerca de 70% deles apresentam contaminação por micotoxinas, substâncias tóxicas produzidas por fungos como Aspergillus, Fusarium e Penicillium.
Mais de 400 tipos já foram identificados, sendo comuns a:
- Aflatoxina B1
- Zearalenona
- Deoxinivalenol
- Ocratoxina A e
- Toxina T-2
Essas toxinas são estáveis, difíceis de eliminar no processamento e permanecem na ração animal.
O consumo pode causar intoxicação aguda ou crônica, afetar o sistema imunológico e até provocar a morte dos animais. Além disso, podem se acumular no organismo humano pela cadeia alimentar, levando a problemas reprodutivos, como abortos espontâneos, malformações fetais e redução da fertilidade masculina. Por isso, o controle das micotoxinas é essencial para a saúde animal e humana.
A zearalenona (ZEA) também conhecida como toxina F-2, é uma micotoxina produzida por fungos do gênero Fusarium. A ZEA é insolúvel em água e solúvel em soluções alcalinas, benzeno, acetonitrila, acetona e álcool. É termicamente estável e não se degrada por trituração, extrusão ou aquecimento.
Sua estrutura se assemelha ao hormônio estrogênio, permitindo que ela e seus metabólitos, especialmente a alfa-zearalenona (α-ZEL), se liguem aos receptores estrogênicos e ativem genes relacionados. A α-ZEL apresenta atividade estrogênica até quatro vezes maior que a da ZEA.
Suínos, em especial porcas de reposição, são os mais suscetíveis aos efeitos da toxina, que pode causar:
- Infertilidade
- Abortos
- Disfunções ovarianas
- Inibição da ovulação
- Alterações no ciclo reprodutivo,
- Partos anormais e
- Natimortos
Além dos efeitos reprodutivos, a ZEA também apresenta ação hepatotóxica, hematotóxica, imunotóxica e genotóxica.
Mecanismo de ação
A zearalenona (ZEA) é rapidamente absorvida após ingestão oral, com captação estimada em 80–85%. Em cerca de 30 minutos já pode ser detectada no sangue, ligada a globulinas de forma semelhante aos hormônios reprodutivos.
Seu metabolismo ocorre principalmente no fígado, mas também em outros tecidos, como rins, ovários e intestino. Existem duas principais vias de biotransformação: a hidroxilação, que gera α- e β-zearalenol (α- e β-ZOL), e a conjugação com ácido glicurônico, que auxilia na eliminação. A excreção biliar e o ciclo êntero-hepático influenciam o destino da ZEA e ajudam a explicar por que diferentes espécies apresentam sensibilidades variadas aos seus efeitos tóxicos.
A ZEA é uma micotoxina com efeito estrogênico que se liga aos receptores de estrogênio, alterando a expressão de genes e comprometendo a saúde reprodutiva. Suínos e ruminantes são os mais sensíveis.
A ZEA tem estrutura semelhante ao estrogênio e se liga a receptores celulares, ativando genes relacionados à síntese de mRNA e estimulando atividades anabólicas e reprodutivas.
Em suínos, a baixa capacidade de inativar a ZEA por glucuronidação os torna especialmente sensíveis à intoxicação. Os principais efeitos são distúrbios reprodutivos, como:
- Anestro
- Aborto
- Maior mortalidade embrionária e fetal
- Falhas em programas de indução hormonal
- Aumento de natimortos e leitões com malformações.
Porcas de reposição são mais vulneráveis do que matrizes.
Impacto da Zearalenona em suínos
Em marrãs, a ingestão de zearalenona em doses baixas (1,5–2 ppm) causa inchaço da vulva, espessamento vaginal, aumento do útero e atrofia dos ovários, com sinais surgindo entre 3 e 7 dias após o início da exposição e desaparecendo em até 14 dias após a retirada da ração contaminada. Esses efeitos são semelhantes aos observados com aplicações de estradiol, mas não ocorrem em porcas adultas cíclicas ou lactantes, que necessitam de doses muito mais altas (64 ppm) para apresentar sintomas.
Concentrações de 3 ppm podem induzir anestro em marrãs, enquanto doses de 2 ppm administradas por 45 a 90 dias podem levar à puberdade precoce, geralmente associada a cios inférteis. Além disso, mesmo em baixas concentrações (0,235–0,358 ppm), a ZEA compromete a qualidade dos ovócitos, afetando células da granulosa, esteroidogênese e expressão gênica, de forma dose-dependente.
Estudos demonstraram que, em porcas cíclicas, a ingestão de ração contaminada com 5 a 10 ppm de zearalenona pode causar, após o desmame, ciclos prolongados ou anestro. Além disso, há uma relação direta entre a dose ingerida e a duração do anestro. Esse efeito também pode ocorrer em marrãs alimentadas nessas concentrações entre o 5º e o 20º dia do ciclo. Nesses casos, os corpos lúteos permanecem ativos devido ao aumento da progesterona, mas desaparecem espontaneamente cerca de 30 dias após a retirada da toxina.
Acredita-se que a zearalenona atue diretamente nos ovários, já que não interfere nos hormônios gonadotrópicos.
Diversos estudos avaliaram os efeitos da zearalenona (ZEA) durante a gestação. A ingestão de ração contaminada acima de 2,8–3,0 ppm, principalmente no início da gestação, reduz o tamanho das leitegadas. Tal fato ocorre devido à ação estrogênica precoce da ZEA que compromete a resposta do endométrio à progesterona durante a implantação embrionária (dias 11–12).
Doses elevadas (> 25 ppm) podem causar natimortalidade e mortalidade neonatal, enquanto níveis próximos a 3 ppm estão associados à mumificação fetal. Também podem surgir dificuldades na indução do parto e alterações nos leitões recém-nascidos, como vulva inchada em fêmeas.
O período mais crítico é entre os dias 7 e 10 de gestação, quando até doses baixas (1 ppm) já provocam degeneração embrionária. Em contaminações moderadas (até 60 ppm), observam-se leitegadas menores e leitões menos vigorosos. Doses muito altas (64 ppm) levam à morte de toda a leitegada.
Estudos demostram uma relação inversa entre o nível de ZEA na ração e o tamanho da leitegada, efeito atribuído à redução da fertilização, bem como à morte embrionária e fetal, ligada à ação negativa da toxina sobre a função luteinizante.
A oferta de 4 ppm de zearalenona na ração de porcas durante a gestação reduz o peso médio dos fetos e aumenta a variação de peso entre leitões da mesma leitegada. Esse desequilíbrio está associado ao menor peso ao nascer e maior ocorrência de leitões com splay leg quando a dose ultrapassa 4 ppm. Além disso, foi observada morte fetal, identificada por restos de tecido no útero por volta do 40º dia de gestação.
A exposição de suínos machos jovens à zearalenona na ração provoca efeitos reprodutivos significativos.
Doses entre 100 e 600 ppm reduzem o peso dos testículos, epidídimo e glândulas vesiculares, além de inibir temporariamente a espermatogênese — efeito reversível após a retirada da toxina.
A administração de 40 ppm diminui a testosterona plasmática e reduz a libido, principalmente em animais com menos de 38 semanas.
Estudos também mostram que, em machos mais velhos, doses de 20 a 200 ppm mantêm os mesmos efeitos. Além disso, concentrações de ZEA e alfa-zearalenol entre 40 e 80 µg/ml reduzem a capacidade dos espermatozoides de se ligar à zona pelúcida, comprometendo a fertilidade.
Conclusões
A presença de ZEA em rações representa um sério desafio para a suinocultura, principalmente devido aos seus efeitos estrogênicos que comprometem a reprodução de fêmeas e machos. Mesmo em baixas concentrações, a toxina é capaz de afetar o ciclo reprodutivo, a qualidade dos gametas, a viabilidade embrionária e a vitalidade das leitegadas, além de reduzir a libido e a fertilidade dos machos.
Marrãs e porcas de reposição se mostram particularmente vulneráveis, sendo o período gestacional inicial o mais crítico para a sobrevivência embrionária.
Considerando sua estabilidade térmica e persistência nos grãos, o controle da ZEA deve ser prioridade nos sistemas produtivos, tanto para proteger o desempenho reprodutivo e a eficiência da produção suinícola, quanto para reduzir os riscos à saúde animal e humana.
