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Uso estratégico das enzimas exógenas na nutrição de suínos

Escrito por: Alicia Zem Fraga - Zootecnista, Universidade Federal de Viçosa Mestre em Zootecnia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) campus de Jaboticabal Doutoranda em Zootecnia, UNESP, campus de Jaboticabal e L’institut national de recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement (INRAE) , Ines Andretta - Zootecnista, com curso de graduação (2009), mestrado (2011) e doutorado (2014) pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente, é professora adjunta do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (desde 2015) e orientadora de mestrado/doutorado no Programa de Pós-Graduação em Zootecnia. Já atuei como assistente de pesquisa no Agriculture and Agri-Food Canada (2013). Também realizou estágio de pós-doutoramento na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Jaboticabal (2014). Possui experiência na área de produção de animais não-ruminantes, com ênfase em suinocultura, avicultura e alimentação de precisão.

Uso estratégico das enzimas exógenas na nutrição de suínos

 

Enzimas são catalisadores biológicos que participam de praticamente todas as reações químicas nos organismos vivos. 

Estes componentes são fundamentais para a manutenção das funções celulares e equilíbrio metabólico, desempenhando diversas funções que, no que diz respeito à nutrição, incluem desde a digestão dos alimentos até o metabolismo dos nutrientes. 

Processos eficientes de digestão e absorção são essenciais para garantir o crescimento saudável dos animais. Embora os suínos modernos tenham sido selecionados ao longo das últimas décadas para que consigam aproveitar com alta eficiência os nutrientes das dietas, há ainda algumas características críticas a serem consideradas. 

O tempo de retenção do alimento no trato digestório e as limitações na secreção endógena de algumas enzimas podem, por exemplo, dificultar a hidrólise eficiente de alguns componentes dos alimentos. 

No âmbito da nutrição animal, o uso de enzimas exógenas é uma prática amplamente consolidada para contornar esse problema. Quando empregadas corretamente, as enzimas podem reduzir os custos de alimentação, melhorar a eficiência de uso de recursos e minimizar os impactos ambientais. 

Este texto explora a importância das enzimas exógenas na nutrição de suínos, destacando seus mecanismos de ação, pontos críticos e benefícios para a sustentabilidade na suinocultura moderna.

 

As enzimas exógenas ajudam a hidrolisar componentes de difícil digestão, aumentando a disponibilidade dos nutrientes para os suínos. Esta melhora pode acontecer no substrato direto da enzima (por exemplo, as fitases melhoram a digestibilidade do fósforo) e em outros nutrientes através de efeitos indiretos. 

Nestes casos, a redução de componentes anti-nutricionais no trato pode favorecer a ação de outras enzimas (inclusive das endógenas) gerando benefícios complementares em outros nutrientes. 

Algumas enzimas também provocam alterações nas condições da digesta, alterando por exemplo a viscosidade e a taxa de passagem do alimento pelo trato digestório. Essas alterações também ajudam a explicar os benefícios indiretos das enzimas.

Cabe ao nutricionista a decisão de utilizar matrizes nutricionais simples (incluindo apenas o nutriente alvo da enzima) ou mais completas (incluindo outros nutrientes além do alvo principal) no momento da formulação. 

Em geral, o uso da matriz mais completa tende a maximizar o cálculo do retorno sobre o investimento. Porém, é importante ressaltar que a matriz nutricional pode variar com muitos fatores. Por isso, a disponibilidade de dados confiáveis quanto a matriz nutricional é fundamental na tomada de decisão. 

 

Fatores anti-nutricionais são substâncias encontradas em alguns ingredientes que podem interferir na digestão, absorção ou utilização dos nutrientes pelo organismo.

As enzimas exógenas podem ser utilizadas para hidrolizar esses fatores anti-nutricionais, reduzindo seus efeitos deletérios no organismo dos animais. 

O fitato, também conhecido como ácido fítico, é provavelmente o melhor exemplo a ser citado neste contexto

Esta substância constitui uma reserva importante de fósforo nos ingredientes vegetais (até 70% do fósforo total) e não pode ser aproveitada pelos animais monogástricos pela falta da enzima endógena. 

Os fitatos têm ainda a capacidade de se ligar a minerais formando complexos insolúveis que são pouco absorvíveis pelo trato gastrointestinal. 

Por isso, o uso de fitase na formulação das rações desempenha um papel crucial na otimização da nutrição de suínos, melhorando a absorção de fósforo e de outros minerais, contribuindo para a sustentabilidade na atividade. 

Outro exemplo interessante é o das enzimas beta-mananases, cujo uso visa reduzir processos de resposta imune inata gerados nos animais após o consumo dos beta-mananos.

Estes fatores anti-nutricionais são reconhecidos pelo sistema imune dos animais como padrões associados à patógenos e, por isso, há a indução de uma resposta de defesa. Por ser um processo inflamatório desnecessário, essa ação pode ser considerada um desperdício de energia no organismo dos animais. 

Ao destruir esses fatores anti-nutricionais, a enzima poupa a energia que é então utilizada para processos que realmente importam para o organismo. 

Muitos ingredientes com custo mais baixo têm seu uso restrito nas rações por conta dos fatores anti-nutricionais. A disponibilidade de enzimas exógenas permite que esses ingredientes sejam utilizados, permitindo a redução nos custos de alimentação. 

 

Quando a digestão dos alimentos e a absorção de nutrientes acontecem de maneira mais eficiente, é provável que beneficiem também o desempenho dos animais.  

Entretanto, isso pode não acontecer quando a matriz nutricional da enzima é considerada na formulação, ou seja, quando a quantidade de nutriente a ser “disponibilizada” pela enzima já é contabilizada na fórmula da ração.  

Esta estratégia, apesar de não beneficiar o desempenho dos animais, melhora a eficiência econômica do setor visto que permite que uma mesma quantidade de produto (animais) seja obtida utilizando menos recursos (nutrientes na base bruta na dieta). 

Em casos assim, o retorno sobre o investimento varia conforme a matriz nutricional utilizada e, por isso, é importante que o nutricionista tenha acesso a informações confiáveis sobre essa matriz.

O ideal é que essas informações sejam obtidas em cenários semelhantes aos da produção. Dados obtidos em animais em crescimento, por exemplo, não deveriam ser transpostos para animais em outras fases, especialmente para as iniciais, quando os animais têm características bem particulares pela imaturidade digestiva. 

Da mesma forma, testes desenvolvidos com ingredientes semelhantes aos que serão efetivamente utilizados devem ser preferidos em detrimento de bases de ingredientes com características distintas. Embora isso seja bastante óbvio, nem sempre essas informações estão disponíveis, o que pode obrigar o nutricionista à um uso mais conservador da enzima na formulação.

 

Os estudos que relacionam o uso de enzimas exógenas com benefícios na saúde intestinal dos suínos são relativamente recentes, embora esse conhecimento já existisse empiricamente há bastante tempo.

Processos de digestão incompletos são negativos por vários aspectos. Em uma primeira abordagem, essas frações não digeridas também não são absorvidas e aproveitadas pelo animal, o que é obviamente um desperdício de recursos no processo produtivo

Além disso, essas frações de alimento não digeridas podem se acumular no trato e servir como substrato para o desenvolvimento de microrganismos potencialmente patogênicos. Neste sentido, quanto mais eficiente for a digestão dos alimentos e a absorção dos nutrientes, geralmente também é melhor a condição de saúde intestinal dos animais. 

Há ainda outros mecanismos de ação pelos quais as enzimas podem beneficiar a saúde intestinal dos suínos. Algumas enzimas (particularmente carboidrases) podem degradar componentes da parede celular das plantas, liberando compostos considerados prebióticos que agem beneficiando o desenvolvimento de microbiotas saudáveis.

A ação das enzimas melhorando a digestão dos alimentos também pode reduzir o estresse oxidativo nas células intestinais, contribuindo para a saúde geral do trato.

A hidrólise de componentes anti-nutricionais ou potencialmente causadores de inflamação no ambiente digestivo (exemplo, redução da resposta imune induzida por alimento) também podem ser citadas como mecanismos de ação das enzimas em prol da saúde intestinal. 

Outras enzimas podem ter efeitos ainda mais diretos na saúde dos animais, como é o caso das lisozimas

Essas enzimas atuam nas ligações dos polissacarídeos presentes nas paredes celulares de muitas bactérias, causando sua lise (ruptura) e, consequentemente, levando à morte da bactéria.

As lisozimas são encontradas em várias secreções corporais (como saliva, lágrimas e secreções nasais) e, por suas propriedades antimicrobianas, também podem ser utilizadas em dietas para animais como alternativas aos antimicrobianos promotores de crescimento. 

 

A necessidade de suplementação de nutrientes (na base bruta) nas rações é reduzida quando as enzimas exógenas são utilizadas com suas matrizes nutricionais na formulação das rações.

Neste contexto, mesmo que não exista melhora no desempenho produtivo dos animais, uma quantidade menor de recursos é necessária para a produção de uma mesma quantidade de animal. Este é um cenário de maximização na eficiência de uso de recursos, o que certamente é benéfico para a sustentabilidade do sistema

Em análises que avaliam o ciclo de vida da produção, é possível perceber que uma série de processos e recursos são reduzidos em situações assim, o que minimiza também as emissões associadas aos processos. 

Quando a formulação considera a matriz nutricional, as enzimas também podem minimizar o excedente de nutrientes excretados no ambiente. Essa condição também é favorável para a sustentabilidade dos sistemas produtivos, especialmente para condições de produção intensiva e em áreas com alta concentração de produção. 

As fitases são as enzimas com uso mais consolidado na indústria de suínos. 

Mesmo que seja muitas vezes tratada como “commodities”, é importante ressaltar que cada enzima é oriunda de um processo de produção que confere a ela características únicas de resistência (aos processos de manufatura nas fábricas, por exemplo), tempo de ação e ambiente ótimo de ação. 

Conhecer as particularidades de cada produto é fundamental para que o máximo do potencial desta enzima seja obtido efetivamente pelos animais.  

Proteases, carboidrases e misturas de enzimas são também bastante usadas na indústria. A decisão pelo uso de uma ou mais enzimas sempre irá depender do contexto de cada sistema produtivo. Como os cenários produtivos variam muito, é evidente que não existe uma “receita” única a ser sugerida. 

A aplicação das enzimas exógenas deve ser feita, especialmente, considerando as características dos ingredientes utilizados e dos animais a serem alimentados. 

Cabe ressaltar novamente que ainda é comum o uso de matrizes “estáticas”, que não consideram que a quantidade de nutrientes a ser liberada pelas enzimas irá depender de muitos fatores, desde a disponibilidade de substrato até as condições fisiológicas dos animais. 

Uma mesma enzima pode ter efeitos diferentes se utilizada em uma dieta simples ou complexa de creche, por exemplo, visto que os ingredientes que compõe as rações (e, portanto, os substratos que estarão disponíveis) serão diferentes em cada cenário. 

Outra questão importante a ser considerada é que o uso de mais de uma enzima na mesma formulação também pode gerar efeitos diferentes de quando as enzimas são usadas isoladamente. 

Enzimas que atuam por mecanismos de ação diferentes podem ter efeitos aditivos. Porém, essa é uma área onde ainda há bastante carência de evidências científicas. 

A escolha das enzimas adequadas e a definição das suas concentrações nas dietas também são pontos críticos para o uso mais eficiente destes aditivos. Mais uma vez, a composição nutricional dos alimentos, o estágio de crescimento dos suínos e os objetivos de produção devem ser considerados nessa decisão.  

Além disso, a disponibilidade de métodos analíticos e de bancos de dados que permitam a melhor caracterização das matérias-primas quanto à presença dos substratos para ação das enzimas é outro ponto crítico para um uso mais eficiente das enzimas. 

Estas informações são cruciais tanto para a definição das melhores oportunidades de uso das enzimas, quanto para a definição da quantidade de enzima a ser empregada (relação ótima entre atividade enzimática e substrato disponível).

No contexto de alimentação de precisão, é provável que a indústria também deva migrar para um uso mais personalizado das enzimas. Essa condição depende de mais informações sobre o sistema produtivo e sobre a enzima, o que nem sempre está disponível para o nutricionista. Porém, esse processo é benéfico no sentido de extrair o maior valor possível do produto que está sendo empregado. 

 

As enzimas exógenas são ferramentas indispensáveis na nutrição de suínos. O uso estratégico destes aditivos pode contribuir para a melhoria da produção suína em termos de qualidade, eficiência e sustentabilidade.

À medida que a indústria continua a evoluir, espera-se que os setores de pesquisa e inovação gerem ainda mais informações, possibilitando um uso mais personalizado em relação as demandas de cada cenário produtivo. 

Este será certamente um passo importante em direção a um setor suinícola mais produtivo e ambientalmente responsável. 

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